domingo, 1 de novembro de 2009

TRICOTILOMANIA - UMA SÍNDROME MILENAR

Embora já presente nos escritos hipocráticos (Epidemias I e III), foi só em 1889 que o dermatologista parisiense F. Hallopeau descreveu o comportamento de um jovem que arrancava os cabelos e identificou a condição como uma síndrome médica, sugerindo o nome de tricotilomania – nome derivado das palavras gregas thrix (cabelo) e tillein (arrancar) mais mania, denotando um comportamento anormal por não parar o impulso mórbido de arrancar cabelo por algum motivo não específico.

A Tricotilomania (TTM) é um transtorno psiquiátrico crônico caracterizado como um Transtorno do Controle do Impulso Não Classificado em Outro Lugar a partir do DSM-IV-TR, o diagnóstico de TTM requer: (a) comportamento recorrente de arrancar os cabelos, resultando em perda capilar perceptível; (b) sensação de tensão crescente, imediatamente antes de arrancar os cabelos ou quando o indivíduo tenta resistir ao comportamento; (c) prazer, satisfação ou alívio ao arrancar os cabelos; (d) o distúrbio não é mais bem explicado por outro transtorno mental, nem se deve a uma condição médica geral (por exemplo, uma condição dermatológica), e) o distúrbio causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Embora consistente com os critérios diagnósticos do DSM-IV, a classificação da TTM (F63.3) da CID-10 não menciona angústia associada ou prejuízo no funcionamento social.

Os estudos apontam que arrancar cabelo/pêlo pode acontecer em qualquer região do corpo como: couro cabeludo, cílios, sobrancelhas, região púbica, extremidades, axila e abdômen. A relação entre gênero é de três mulheres para cada homem. Uma série de fatores ligados principalmente a infância e adolescência podem exercer papel desencadeador ou exacerbador da TTM, como estados afetivos negativos e atividades sedentárias ou contemplativas.

Informes clínicos sugerem que pacientes diagnosticados com TTM não têm psicopatologia secundária significativa. Entretanto, transtornos do eixo I como os afetivos, de ansiedade e de vícios (álcool e drogas) são freqüentemente associados à TTM. Quanto aos transtornos de eixo II os mais descritos na literatura são: Histriônico, Borderline, Passivo-agressivo e Obsessivo-compulsivo.

Os principais objetivos do tratamento de pacientes com TTM são a remissão do sintoma de arrancar cabelo e melhora das co-morbidades clínicas/psiquiátricas; também melhora na qualidade de vida e possível resolução dos problemas pessoais e familiares. Um pesquisador sugeriu que a combinação de farmacoterapia e terapia comportamental podem ser efetivas para o tratamento da TTM de longo prazo, reforçando a idéia de uma abordagem multidisciplinar para seu tratamento.

Uma variedade de medicamentos apresenta resultados positivos no tratamento da TTM, incluindo antidepressivos tricíclicos, ISRS, antidepressivos de ação dupla, antipsicóticos, antagonista opióide e estabilizador de humor (lítio).

Várias técnicas comportamentais são empregadas no tratamento da TTM, incluindo biofeedback e hipnose. Enquanto muitas dessas técnicas foram achadas efetivas na redução dos sintomas do arrancar cabelo, a eficácia de cada uma delas não foi efetivamente estabelecida, uma vez que os dados foram gerados por estudos de casos não-controlados e/ou com pequenas amostras.

O tratamento do comportamento mais estudado e com apoio de dados empíricos foi o treinamento da reversão do hábito (TRH). No primeiro estudo (1973) em TRH, o tratamento foi 90% efetivo na redução de problemas de comportamento de 12 pacientes com uma variedade de transtornos do hábito, incluindo a TTM. Este era um estudo preliminar promissor, mas as limitações incluíram a natureza não controlada da investigação, limitando o seguimento, e a falta de medidas objetivas do resultado do tratamento.

O programa com terapia cognitivo-comportamental enfoca as cognições disfuncionais (padrões de pensamento) ou comportamentos (ações) que causam danos à pele ou ao cabelo, identificando assim comportamentos disfuncionais e substituindo-os por comportamento assertivo ou enfraquecendo padrões de pensamento negativo ao oferecer uma nova perspectiva de enfrentamento. Em um estudo não controlado conduzido, 12 entre 14 pacientes que completaram o protocolo para a TCC junto a TTM melhoraram, com uma redução de 67% no grau de severidade da TTM imediatamente ao fim do tratamento.

Em estudo randomizado, foi elaborado um programa utilizando a terapia comportamental que consistia em seis sessões individuais de 45 minutos com base em manual que era seguido a cada duas semanas. Os elementos principais eram controle de estímulo (organizando o ambiente), intervenções de estímulo-resposta (interrompendo a cadeia de resposta com outras atividades compatíveis) e conseqüências de respostas (auto-recompensa). O papel do terapeuta consistia em analisar o comportamento, ao mesmo tempo dando conselho técnico e motivando o paciente.

A evolução dos quadros de TTM ainda é pouco conhecida, embora a maior parte das populações clínicas acompanhadas apresente curso crônico sem remissão completa. Aparentemente, um melhor ou pior prognóstico depende da idade de início do quadro e da co-morbidade associada.

A literatura existente em TTM é relativamente limitada, mas crescente. O aumento das pesquisas em TTM resulta, em parte, da maior consciência de que os sintomas são mais comuns do que se acreditava. Embora no Brasil não tenha estudos de prevalência na população geral, pesquisas internacionais estimam taxas entre dois e três por cento, revelando assim um crescente número de pacientes com TTM, já que na década passada era de um por cento.

Edson Luiz Toledo – psicólogo coordenador do atendimento psicoterápico de pacientes com tricotilomania do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso - AMITI/IPq da FMUSP.


Dra. Bianca Bortolini

CINDERELAS COMPULSIVAS

Elas gastam o que não tem com aquilo que, geralmente, poderiam dispensar. As mulheres consumistas sofrem da incontrolável sede compulsiva...

Nada é pensado. Tudo é movido pelo impulso inconsciente. Não será difícil imaginar o lugar favorito e o objeto de desejo das consumistas de carteirinha. Certamente, a conclusão: um bom shopping e dinheiro na conta bancária. Sem limites, elas usufruem produtos diversos, mesmo quando as condições financeiras não correspondem à atitude desenfreada de compra e admitem ´comprar é uma terapia insubstituível´.

Diversas vezes já cheguei a gastar todo o meu salário em um único dia. Sinto-me absurdamente satisfeita e relaxada dos problemas enquanto faço as compras, especialmente quando consumo roupas e sapatos. O arrependimento surge apenas quando a fatura do cartão de crédito chega em casa. Posso até contrair dívidas exorbitantes e nunca conseguir acumular dinheiro, mas para mim é válido o momento , fala a psicóloga Lúcia Freire, 30.

É por volta dos 21 anos, quando o jovem já costuma ter autonomia sobre o dinheiro, que as compulsões e gastos excessivos tendem a despontar. As mulheres gastam o que podem e não podem, mesmo tendo plena consciência disto, porque são tomadas pelo desejo compulsivo de consumo. Esta vontade se estabelece pela necessidade de suprir um desejo imediato que proporcione alívio e prazer, mesmo existindo arrependimento posterior. O resultado culmina em dívidas infindáveis e ausência de dinheiro para cumprir os devidos pagamentos.

Durante o processo de aquisição de algum objeto, a mulher é submetida há momentos agradáveis, como entrar em lojas, receber a atenção dos vendedores, sair e andar com sacolas. Tudo isto causa um extremo sentimento de satisfação, portanto o prazer do ato da compra não é associado ao valor gasto, afinal ele é mais relevante que o objeto adquirido.

Os especialistas consideram as atitudes compulsivas como um sistema de autodefesa e compensação. As pessoas dependentes do consumo desmedido apresentam um baixo grau de auto-estima, tendência à depressão e ansiedade, além de dificuldades em controlar seus impulsos.

A advogada Michele Marques, 26, recentemente ficou abalada pelo término repentino do noivado de dois anos e pela demissão na empresa onde trabalhava. A moça confessa ter investido, em um único final de semana, mais da metade do valor referente a sua rescisão em sapatos, bolsas, roupas e acessórios. Foi totalmente compulsivo e impensado, mas tenho discernimento que as compras não me ajudaram a superar o foco do problema .

Todo ser humano busca, inconscientemente, compensar os problemas impostos pela vida em algo que lhes dê prazer. Segundo o psicólogo Alexandre Bez, as ações inconscientes diminuem a ansiedade e angústia, tendo como fator desencadeante, por exemplo, um namoro ou casamento desgastado, problemas no trabalho, falta de dinheiro e a impossibilidade de realizar um grande sonho. Quando uma pessoa se desequilibra com uma determinada situação, é necessário reestabelecer o equilíbrio emocional, usando todos os recursos disponíveis.

A compulsão por gastar, nas mulheres, muitas vezes está ligada ao prazer no sexo. Em casais que a relação sexual não anda bem ou em que o prazer é quase nulo, é comum que elas procurem resolver esse problema de carência na loja mais próxima , explica Bez.

Se a compra causa mudança de humor e funciona como reação ao estresse ou a emoções desagradáveis que poderiam ser evitadas de uma outra maneira, é sinal de que algo escapa do controle. Quando a tensão emocional só pode ser aliviada com o ato de compra já existe anormalidade comportamental , define a psicóloga e filósofa Marie-Josette Brauer. Uma pessoa que padece da sede do consumismo permanece em um mundo de sonhos, onde a sensação de poder supera a necessidade da compra.

Outros transtornos compulsivos são facilmente encontrados no universo feminino como os alimentares - anorexia e bulimia, os de jogo - apostas, os de sexo e os de dependência - álcool e drogas.


A compulsão pode ser fruto da cultura e da educação dos pais ausentes que trocaram a atenção e o amor por presentes e ensinaram que a aquisição de bens de consumo leva ao sucesso e felicidade. Mais tarde, na idade adulta, a mulher que aprendeu inconscientemente este padrão comportamental, se recompensará afetivamente, através de compras escolhidas em função da auto-imagem desejada. Nunca um sentimento pode ser resolvido com um objeto concreto, pois ele implica em percepção emocional.

De acordo com Bez, a cada dez pessoas que gastam por compulsão, nove são mulheres. Ele revela que apesar dos homens não serem tão comedidos, suas aquisições, sem dúvidas, são mais planejadas, até porque, os valores superam aos dos produtos adquiridos pelas mulheres.

Enquanto elas se preocupam com objetos para o visual, eles gastam com os eletrônicos ou automóveis. Dependendo da formação de caráter podem, inclusive, alimentar a compulsão pelo álcool e compensar os conflitos nos jogos de azar. A tendência do sexo masculino é compensar suas frustrações emotivas com o sexo pago, bem como procurar ambientes com bebidas e muitos amigos para farrear.

Quase todo brasileiro apresenta a compulsão pelo gasto excessivo e curiosamente a compensação dos problemas financeiros é resolvida com dinheiro. Gasta-se ainda mais na tentativa de esquecer as dívidas já contraídas. Isso talvez explique a dificuldade da nação em sanar suas dívidas e conseguir dar a volta por cima , finaliza Bez.

Dicas para se manter longe das dívidas:

• Afaste a tentação. Não adquira cartões de crédito. Eles estimulam o gasto e criam a falsa impressão de que se tem muito dinheiro

• Tenha alguém de confiança para cuidar de sua conta bancária, que consiga alertar para gastos excessivos e desnecessários

• Tente se policiar. Analise se a aquisição é realmente necessária

• Mantenha somente uma pequena quantia de dinheiro na carteira

• Procure não entrar em financiamentos com muitas parcelas e assumir dívidas. Ao final do mês, elas irão se acumular e o dinheiro poderá faltar

• Quando a tentação surgir, ligue para os amigos e faça atividades que lhe distraiam, como pintar, conversar ao telefone, ver um filme

• Para as mulheres uma dica coringa: pelo menos uma vez por mês coloque o guarda-roupa a baixo, assim lembrarão quantas peças possuem e podem aprender combiná-las entre si

ESQUEMA DO CONTROLE DE IMPULSOS

TRICOTILOMANIA

A tricotilomania é um distúrbio relacionado ao transtorno obsessivo compulsivo que se caracteriza por arrancar pêlos do próprio corpo com enfoque em determinadas regiões, normalmente da cabeça e sobrancelha. Geralmente, o distúrbio aparentemente é visto como um refúgio encontrado perante situações de nervosismo, sedentarismo e ansiedade, já que não se sabe as causas que induzem tal comportamento. Existem hipóteses que acusam possíveis causas para o distúrbio como desequilíbrio químico, problemas genéticos e alergias.

É um tipo de distúrbio que causa constrangimento no indivíduo, já que depois de arrancar o fio ficam brincando com o mesmo, passando pela boca e até comendo, o que causa ainda mais vergonha, pois tal comportamento, em síntese, não faz sentido.
Normalmente a tricotilomania se manifesta na infância e pode ou não se estender por toda a vida, de forma e tipo variável pode ocorrer diariamente ou ainda pode se ausentar por longos períodos e retornar de repente. Como não se sabe a origem do distúrbio, também não há um tratamento específico para o problema.

Existem especialistas que adotam a psicoterapia para levar o indivíduo a controlar seu distúrbio de forma que lentamente deixe de executá-lo. Também são utilizados medicamentos como neurolépticos e antidepressivos, acupuntura e homeopáticos. O importante é detectar o distúrbio o mais rápido possível para que o tratamento seja realizado com maior rapidez e seu resultado tenha maior êxito. Especialistas acreditavam que tal distúrbio fosse raro, mas foi constatado que aproximadamente 4% da população possuem tal problema.


Por Gabriela Cabral
Equipe Brasil Escola (Psicologia - Brasil Escola)
Site: www.brasilescola.com

FIGURA CLEPTOMANIA

CLEPTOMANIA: CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E TRATAMENTO

A cleptomania, um transtorno incapacitante pertencente ao grupo de transtornos de controle dos impulsos, caracteriza-se pelo furto repetitivo e incontrolável de itens que são de pequena utilidade para a pessoa acometida. Apesar de seu histórico relativamente longo, a cleptomania continua sendo pouco entendida pelo público geral, pelos clínicos e pelos que dela sofrem.

Método: Este artigo revisa a literatura sobre o que se sabe a respeito das características clínicas, histórico familiar,neurobiologia e opções de tratamento para indivíduos com cleptomania.

Resultados: A cleptomania geralmente tem seu início no final da adolescência ou no início da vida adulta, e parece ser mais comum em mulheres. A comorbidade psiquiátrica ao longo da vida com outros transtornos de controle de impulsos (20-46%), de uso de substâncias (23-50%) e de humor (45-100%) é freqüente. Indivíduos com cleptomania sofrem de prejuízo significativo em sua capacidade de funcionamento social e ocupacional.

A cleptomania pode responder ao tratamento com terapia cognitivo-comportamental e com várias farmacoterapias (lítio, antiepilépticos e antagonistas de opióides).

Conclusões: A cleptomania é um transtorno incapacitante que resulta em uma vergonha intensa, bem como problemas legais, sociais, familiares e ocupacionais. São necessários estudos de tratamento em ampla escala.

Descritores: Transtornos do controle de impulso; Farmacoterapia; Comorbidade; Roubo;

A cleptomania, também denominada furto compulsivo, pode ser um transtorno bastante comum que resulta em angústia e conseqüências legais significativas. Ainda que não tenha sido feito nenhum estudo epidemiológico de âmbito nacional sobre a cleptomania, os estudos em várias amostras clínicas sugerem que a cleptomania não é rara. Um estudo recente sobre pacientes psiquiátricos hospitalizados com múltiplos transtornos (n = 204) revelou que 7,8% (n = 16) confirmaram sintomas atuais consistentes com um diagnóstico de cleptomania, e 9,3% (n = 19) tinham um diagnóstico de cleptomania durante a vida.1,2 Um estudo com 102 adolescentes
hospitalizados devido a uma série de transtornos psiquiátricos encontrou que 8,8% (n = 9) sofria de cleptomania.3 Como os índices parecem ser similares em adolescentes e adultos, isso sugere que a cleptomania pode ser um transtorno crônico se
não for tratado. Esses achados são consistentes com estudos anteriores. Um estudo que examinou 107 pacientes com depressão encontrou que 4 (3,7%) sofriam de cleptomania.4 Em um estudo com 79 pacientes com dependência de álcool, 3
(3,8%) também relataram sintomas consistentes com cleptomania. Ainda que esses estudos sugiram que a cleptomania não é um comportamento raro, esse transtorno continua sendo pouco compreendido e os dados sobre tratamento são escassos.

Com base no crescimento da pesquisa sobre a cleptomania, este artigo irá detalhar o que se sabe atualmente sobre as características clínicas, a fisiopatologia e o tratamento deste transtorno incapacitante.

Vinheta de caso

Maria é uma mulher de 49 anos, branca, casada, com três filhos. Quando começou a furtar com 20 anos de idade, ela furtava uma mesma loja aproximadamente uma vez por semana. Esse comportamento continuou durante os 25 anos seguintes, até que a freqüência de furto aumentou para três ou mais vezes por semana. Ainda que tenha tido um emprego rentável durante toda a vida, ela furta itens desnecessários de
lojas de varejo e de amigos. Ao entrar em uma loja, Maria relata um impulso irresistível de furtar e sente a necessidade de consumar o furto até que a tensão ceda. Após deixar a loja, Maria sente-se culpada por ter pegado o item. Esses
objetos roubados, em geral pequenos itens (e.g. cosméticos, produtos de higiene, revistas), são colocados em caixas na garagem de sua casa e nunca são utilizados. Sua família não sabe sobre seu problema. Ela nunca foi apanhada, mas não
tem orgulho desse fato. Tem uma sensação diária de autodepreciação.

A avaliação diagnóstica detalhada revela que Maria não tem outros problemas psiquiátricos. Seu histórico familiar é positivo tanto para transtornos por uso de álcool como por uso de substâncias.

Histórico

A cleptomania tem sido mencionada na literatura médica e legal durante séculos.
O psiquiatra suíço Andre Matthey foi o primeiro a utilizar o termo ‘klopemanie’ para descrever os ladrões que roubavam impulsivamente itens desnecessários devido à insanidade. Mais tarde, os médicos franceses Jean Etienne Esquirol e C.C.
Marc alteraram a palavra para ‘kleptomanie,’ para descrever o comportamento caracterizado por impulsos irresistíveis e involuntários. A pessoa com ‘kleptomanie’ era então “forçada a roubar” devido a uma doença mental, não devido à falta de
consciência moral.7 Devido à percepção de que tal comportamento somente afetava mulheres, as explicações ao final do século XIX se referiam a doenças uterinas ou à tensão prémenstrual como possíveis causas da cleptomania. No princípio do século XX, a idéia de que o sistema reprodutivo feminino era a causa desse comportamento foi descartada juntamente com praticamente todo o interesse clínico por esse transtorno. O status médico pouco claro da cleptomania refletiu-se novamente no Manual de Diagnóstico e Estatística.

O primeiro Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-I 1962) incluiu a cleptomania mais como um termo suplementar do que como um diagnóstico formal, mas no DSM-II (1968) a cleptomania foi totalmente omitida. Foi
reintroduzida mais adiante no DSM-III (1980) como um transtorno de controle dos impulsos sem outra especificação, como permanece no DSM-IV-TR (2000).8-11 No entanto, somente nos últimos 15 anos houve um conjunto de trabalhos científicos
para confirmar o status da cleptomania como um legítimo transtorno psiquiátrico.

Características clínicas

O DSM-IV-TR estabelece os seguintes critérios diagnósticos para a cleptomania: 1) incapacidade recorrente para resistir aos impulsos de furtar objetos desnecessários ao uso pessoal ou por seu valor monetário; 2) sensação crescente de tensão
antes de cometer o furto; 3) prazer ou alívio na hora de cometer o furto; 4) o furto não é cometido para expressar raiva ou vingança e não é uma resposta a um delírio ou alucinação; e 5) o furto não se deve ao transtorno de conduta ou ao transtorno
de personalidade anti-social.

O critério 1 estabelece que os itens furtados não “são necessários para uso pessoal ou por seu valor monetário”. Em nossa vinheta de caso, Maria enquadra-se neste critério por furtar itens irrelevantes. Esse critério exclui do diagnóstico
pessoas que furtam principalmente para vender os itens em troca de dinheiro ou por necessidade (e.g. furtar para alimentar uma família que passa fome). Ainda que os exemplos de casos tenham freqüentemente descrito a peculiaridade dos
itens furtados, os itens em si não são sempre peculiares e não parecem ter nenhum significado para a compreensão da fisiopatologia proposta para esse transtorno. Muitos indivíduos com cleptomania furtam itens desejáveis e valiosos. Para
alguns indivíduos, o “ímpeto” associado ao furto parece proporcional
ao valor monetário do item. Para outros, o valor dos objetos furtados aumenta ao longo do tempo, o que sugere um efeito de tolerância. Os itens furtados são tipicamente acumulados, descartados, devolvidos à loja ou doados.Os indivíduos com cleptomania descrevem o impulso para furtar como “incongruente com o caráter”, “incontrolável,” ou “moralmente errado”. Ainda que um sentimento de prazer,
gratificação ou alívio seja vivenciado no momento do furto, os indivíduos descrevem sentimentos de culpa, remorso ou depressão logo após.12 Em geral, devido a esse sentimento de vergonha, os indivíduos com cleptomania apresentam-se para
o tratamento muitos anos após o início dos furtos. Em um estudo com 22 cleptomaníacos, 15 indivíduos não tinham contado ao seu clínico sobre seus furtos. Ao contrário, eles buscavam tratamento para os sintomas depressivos ou para a
ansiedade. Eles tinham receio de que o médico pudesse não tratá-los ou informar à polícia. Nenhum dos médicos que os trataram perguntou sobre sintomas de cleptomania.

Estudos utilizando amostras clínicas têm revelado de forma consistente que a maioria (aproximadamente dois terços) dos pacientes com cleptomania é composta por mulheres.
Rev Bras Psiquiatr. 2008

Cleptomania: características clínicas e tratamento

Neurobiologia
Ainda que os indivíduos com cleptomania relatem uma incapacidade de resistir aos seus impulsos para furtar, a etiologia desse comportamento incontrolável não é clara.
Tem sido levantada a hipótese de que a disfunção serotoninérgica no córtex pré-frontal ventromedial seja subjacente à capacidade ruim de tomar decisões observada
entre indivíduos com cleptomania.23 Um estudo examinou o transportador de serotonina de plaquetas em 20 pacientes com cleptomania. O número de transportadores 5-
HT de plaquetas, avaliado por meio da vinculação da 3Hparoxetina, foi menor em sujeitos cleptomaníacos comparados a controles saudáveis,24 o que sugere alguma
disfunção serotoninérgica não específica.

Em um estudo sobre funcionamento neurocognitivo, 15 mulheres diagnosticadas com cleptomania não apresentaram, como um grupo, déficits significativos em testes de
funcionamento do lobo frontal ao serem comparadas aos valores-padrão. No entanto, aquelas com maior gravidade dos sintomas de cleptomania tiveram escores significativamente mais baixos que a média em pelo menos uma medida
do funcionamento executivo. Índices significativamente mais altos de impulsividade cognitiva (medidos pela Escala de Impulsividade de Barratt, 10ª versão) foram encontrados em 11 indivíduos com cleptomania, ao serem comparados a um grupo controle de pacientes psiquiátricos sem cleptomania.

Os relatos de caso e os estudos de neuroimagem fornecem pistas adicionais quanto a possível etiologia da cleptomania.

Tem sido relatado que danos aos circuitos cerebrais orbitofrontais subcorticais resultam em cleptomania. As técnicas de neuroimagem têm demonstrado menor integridade
microestrutural da substância branca nas regiões cerebrais frontais ventromediais nos indivíduos com cleptomania em comparação a controles.27 Essas imagens
são consistentes com achados de impulsividade aumentada nos cleptomaníacos.17 Esses estudos também favorecem a hipótese de que pelo menos alguns indivíduos com cleptomania podem não ser capazes de controlar seu impulso de furtar.

Futuras avaliações de imagem e neuropsicológicas em uma grande amostra podem auxiliar a elucidar melhor a etiologia desse transtorno.

Tratamento

Apesar de a farmacoterapia e a psicoterapia terem se apresentado inicialmente promissoras para tratar a cleptomania,somente um pequeno número de pacientes foram
examinados. Séries pequenas de casos e relatos de caso constituem a maioria dos dados de tratamento publicados.

Atualmente, nos Estados Unidos, não há medicações aprovadas pela Food and Drug Administration para tratar da cleptomania. Os relatos de caso que examinaram a eficácia da farmacoterapia para a cleptomania encontraram uma
variedade de tratamentos promissores: paroxetina,28 fluvoxamina,29 escitalopram,30 uma combinação de sertralina e o estimulante metilfenidato,31 imipramina em combinação com fluoxetina,32 e o ácido valpróico.33 Infelizmente, para cada relato de caso positivo, existem outros relatos negativos em relação a eficácia da mesma medicação para a cleptomania.

Séries de casos de cleptomania também foram publicadas.
Em uma série de casos, cinco sujeitos com cleptomania. Porém, sem dados epidemiológicos, a percentagem real de homens e mulheres permanece desconhecida. Alguns autores têm sugerido que há um maior número de mulheres que buscam
tratamento para cleptomania, pois os homens têm maior probabilidade
de serem enviados à prisão se forem apanhados furtando em lojas.

No entanto, os aspectos relacionados a gênero na cleptomania receberam pouca atenção nos estudos sobre o tema. Um estudo encontrou que os homens com cleptomania têm mais probabilidade de ter um histórico de trauma durante o nascimento. Os
homens com cleptomania também parecem ser menos propensos a sofrer de um transtorno alimentar ou bipolar concomitante, mas parecem ter índices maiores de parafilias como comorbidade.

Tanto em homens como em mulheres com cleptomania é comum a comorbidade psiquiátrica em algum momento da vida com outros transtornos de controle dos impulsos (20-46%),
de uso de substâncias (23-50%)12,14 e de humor (45-100%).14,15,18,19 Os transtornos de personalidade são também comuns na cleptomania. Um estudo envolvendo 28 indivíduos com cleptomania revelou que 12 (42,9%) preencheram os critérios
do DSM-III-R para pelo menos um transtorno de personalidade e dois (14,3%) preencheram os critérios para dois transtornos de personalidade. Transtornos paranóide (17,9%), borderline (10,3%) e esquizóide (10,7%) foram os mais comuns.

Os indivíduos com cleptomania sofrem prejuízo significativo em sua capacidade de funcionar social e ocupacionalmente. Muitos pacientes relatam pensamentos intrusivos e impulsos relacionados a furtar que interferem em sua capacidade de concentração
em casa e no trabalho. Outros relatam ausências ao trabalho, em geral à tarde, depois de saírem cedo para furtar nas lojas. Com o prejuízo funcional que os indivíduos com cleptomania vivenciam, não é surpreendente que eles também relatem
uma qualidade de vida ruim. No único estudo que avaliou sistematicamente
a qualidade de vida utilizando um instrumento seguro do ponto de vista psicométrico (Inventário de Qualidade de Vida), os pacientes com cleptomania, independentemente da
comorbidade, relataram uma satisfação significativamente pior com a vida em comparação a uma amostra geral não-clínica de adultos.21 Alguns pacientes consideraram até o suicídio como uma forma pela qual poderiam parar de furtar.

Além das conseqüências emocionais da cleptomania, muitos pacientes com cleptomania enfrentaram dificuldades legais devido ao seu comportamento. Estudos têm relatado que 64% a 87% dos pacientes de cleptomania têm um histórico de serem pegos
furtando.16,19 De fato, um estudo encontrou que os pacientes relataram
um número médio de apreensões durante a vida de aproximadamente três por paciente.22 Ainda que a maioria das apreensões não resulte em condenações com privação de liberdade, evidências iniciais sugerem que 15% a 23% dos pacientes de cleptomania
sofreram este tipo de condenação por furtarem.

Histórico familiar
Os dados sobre o histórico familiar e possíveis elementos genéticos da cleptomania são limitados. No único estudo sobre o histórico familiar de cleptomania que utilizou um grupo controle, os indivíduos com cleptomania relataram uma freqüência significativamente maior de transtorno por uso de álcool nos seus familiares de primeiro grau do que os controles.18 Não foram observadas outras diferenças significativas em relação ao histórico familiar entre os grupos. Foram relatados em outros estudos altos índices de transtornos de humor, por uso de álcool e de
cleptomania nos familiares de primeiro grau dos indivíduos com cleptomania.

Rev Bras Psiquiatr. 2008
apresentaram melhora com fluoxetina (quatro indivíduos) e paroxetina (um indivíduo).34 Uma série de casos de três cleptomaníacos resultou em remissão completa dos sintomas de cleptomania após dois meses em uma combinação de 100 mg/dia de topiramato e 30 mg/dia de citalopram em uma mulher de 28 anos; 100 mg/dia de topiramato e 60 mg/dia de paroxetina em uma mulher de 32 anos; e 150 mg/dia de
topiramato em um homem de 18 anos.35 O lítio ministrado isoladamente foi útil para pelo menos um de quatro casos relatados, mas causou uma diminuição significativa nos sintomas da cleptomania quando potencializado com fluoxetina no caso de uma mulher de 40 anos.36 Uma série de casos de dois pacientes que sofriam de cleptomania tratados com naltrexona (50 mg/dia e 100 mg/dia) relatou remissão tanto
nos impulsos para furtar como no comportamento de furtar.

Houve somente dois pequenos ensaios clínicos abertos com medicação para cleptomania. Um ensaio clínico examinou o escitalopram no tratamento da cleptomania. Dos 20 indivíduos tratados de forma aberta com escitalopram, 79% relataram
melhora em seu comportamento de furtar. Os que responderam ao escitalopram foram aleatorizados para continuar a medicação ou para receber placebo. A fase duplo-cega encontrou que 43% dos que receberam medicação e 50% dos que foram designados para receber placebo não mantiveram sua resposta (não houve diferença estatística entre esse índices), sugerindo, dessa forma, que não ocorreu nenhum efeito
real do fármaco.

Em outro ensaio clínico aberto, oito de 10 indivíduos com cleptomania tratados com naltrexona por 12 semanas relataram uma redução significativa nos impulsos para furtar e 20% relataram remissão completa dos sintomas.22 A dose eficaz
média de naltrexona foi de 145 mg/dia. Um estudo longitudinal retrospectivo da naltrexona durante um período de três anos envolvendo 17 indivíduos com cleptomania tratados com naltrexona em monoterapia produziu os seguintes resultados:
76,5% dos sujeitos relataram redução nos impulsos para furtar, 41,1% pararam de furtar e 52,9% dos sujeitos foram classificados na Escala de Gravidade Clínica Global como “totalmente sadios” e tiveram seus sintomas de gravidade de cleptomania
avaliados como “muito leves” pelo pesquisador.

Várias formas de terapia comportamental, psicanalítica, psicodinâmica e cognitivo-comportamental (TCC) têm sido relatadas como benéficas para tratar a cleptomania. Os tratamentos terapêuticos cognitivo-comportamentais, tais como dessensibilização sistemática, terapia aversiva e sensibilização encoberta têm demonstrado benefícios no tratamento da cleptomania.

Não houve estudos controlados sobre qualquer dos tipos de psicoterapia para a cleptomania. Os tratamentos combinados utilizando TCC com medicação têm mostrado benefícios para os indivíduos em relatos de caso. Um homem de 43 anos com traumatismo craniano contuso na região frontotemporal que ocasionou sintomas semelhantes à cleptomania foi tratado com citalopram e TCC e relatou remissão de todos os sintomas de cleptomania.41 Uma mulher de 77 anos com cleptomania de início tardio (idade de 73 anos) relatou o final de todos os furtos com uma combinação de TCC, 50 mg/dia de sertralina, auto-conscientização e uma proibição auto-imposta
de comprar.

Conclusão

A cleptomania, um transtorno amplamente não reconhecido, apresenta-se como uma doença crônica em muitos indivíduos e tem significativas repercussões psicológicas, sociais e legais. À medida que a busca específica de tratamento para cleptomania é bem rara, é importante que os clínicos reconheçam o transtorno e examinem os pacientes apropriadamente.

Vários tratamentos têm sido úteis em estudos de caso e em pequenos estudos de tratamento, mas é preciso mais pesquisas que examinem a etiologia e o tratamento.